-SEGUNDO DOMINGO DA PÁSCOA (07.04.13)
Jo 20, 19-31
“A Paz Esteja Com Vocês”
No texto
anterior ao de hoje, Maria Madalena trouxe a notícia da Ressurreição
aos discípulos incrédulos. Agora é o próprio Jesus que aparece a
eles. Não há reprovação nem queixa nas suas palavras, apesar da
infidelidade demonstrada por todos eles nos dias anteriores, mas
somente a alegria e a paz que Ele já tinha prometido no último
discurso. Duas vezes Jesus proclama o seu desejo para a comunidade
dos seus discípulos: “A paz esteja com vocês”. O nosso termo
“paz” procura traduzir - embora de uma maneira inadequada - o
termo hebraico “Shalom!”, que é muito mais do que “paz”,
conforme o nosso mundo a compreende. “Shalom”, e palavras
derivadas, ocorrem mais de 350 vezes no Antigo Testamento. O “Shalom”
é a paz que vem da presença de Deus, da justiça do Reino. É tudo
que Deus deseja para todos os seus filhos e filhas. O Shalom inclui
tudo o que Deus quer para o seu povo! Jesus não promete a paz do
comodismo; mas, pelo contrário, envia os seus discípulos na missão
árdua em favor do Reino. Promete o Shalom, pois Ele nunca abandonará
quem procura viver na fidelidade ao projeto de Deus. Podemos dizer
que o Shalom tem dois aspectos inseparáveis - é dom e desafio para
os cristãos. É dom, porque somente Deus pode dá-la; é desafio,
pois tem que ser construído dia após dia na vida pessoal, familiar,
comunitária e social de cada pessoa.
Jesus soprou sobre os
discípulos, como Deus fez (o mesmo termo é usado) sobre Adão
quando infundiu nele o espírito de vida (Gn 2, 7); Jesus os recria
com o Espírito Santo. Normalmente imaginamos o Espírito Santo
descendo sobre os discípulos em Pentecostes; mas, aquilo (relatado
por Lucas em Atos) era como a descida oficial e pública do Espírito
para dirigir a missão da Igreja no mundo, no plano teológico do
autor de Atos. Para João, o dom do Espírito, que por sua natureza é
invisível, flui da glorificação de Jesus, da sua volta ao Pai. O
dom do Espírito neste texto tem a ver com o perdão dos pecados.
Mais
uma vez, no primeiro dia da semana, Jesus aparece aos discípulos
(notemos a ênfase sobre o Domingo - duas vezes). Esta vez, Tomé
está presente. Ele representa os discípulos da comunidade joanina
do fim do século primeiro, que estavam vacilando na sua fé na
Ressuscitado, diante dos sofrimentos e tribulações da vida. Assim
nos representa, quando nós vacilamos e duvidamos. Jesus nos
fortalece com as palavras: “Felizes os que acreditaram sem ter
visto!”. Essa, muitas vezes, será a realidade da nossa fé:
acreditar contra todas as aparências que o bem é mais forte do que
o mal e a vida do mais forte que a morte! Somente uma fé profunda e
uma experiência da presença do Ressuscitado vão nos dar essa
firmeza.
Tomé confessa
Jesus nas palavras que o Salmista usa para Javé (Sl 35, 23). No
primeiro capítulo do Evangelho de João, os discípulos deram a
Jesus uma série de títulos que indicaram um conhecimento crescente
de quem Ele era – “Cordeiro de Deus”, “Rabi”, “Messias”
“Rei de Israel”; aqui, Tomé lhe dá o título final e
definitivo: Jesus é Senhor e Deus!
Nessa proclamação
triunfante da divindade de Jesus, o Evangelho terminava (o Capítulo
21 é um epílogo, adicionado mais tarde). No início, João nos
informou que “o Verbo era Deus”. Agora, ele repete essa afirmação
e abençoa todos os que a aceitam baseados na fé! A meta do
evangelho foi alcançada: mostrar a divindade de Jesus, para que
acreditando, todos pudessem ter a vida n’Ele.
Terceiro Domingo da Páscoa (14.04.13)
Jo 21, 1-19
“É o Senhor!”
Quase
todas as traduções da Bíblia intitulam o capítulo 21 de João
como “Apêndice” ou “Epílogo”. Realmente, em uma primeira
edição, o Evangelho terminava no capítulo 20. Mas, devido a uma
situação nova nas comunidades, se tornou necessária a adição do
último capítulo. Essa situação era a fusão de dois tipos de
comunidades cristãs - as da tradição sinótica ou apostólica, e
as da tradição da comunidade do Discípulo Amado. Essa fusão
aconteceu pelo fim do primeiro século e é simbolizada nos
versículos 15-18, onde Pedro recebe a primazia e a missão de pastor
dos discípulos. Mas somente recebe depois de ter afirmado três
vezes que amava Jesus . A comunidade do Discípulo Amado aceita a
função apostólica de Pedro, mas insiste que antes de ser apóstolo
é mais fundamental ser discípulo - ou seja, amar Jesus.
A primeira parte
do texto (vv. 1-14) tem grandes semelhanças com a história da
“pesca milagrosa” de Lucas (Lc 5,1-11), mas o contexto
pós-ressurrecional é diferente. Como sempre no Quarto Evangelho,
devemos prestar atenção aos símbolos - sejam eles pessoas,
eventos, ou números. Chama a atenção que - embora seja a terceira
aparição de Jesus - os discípulos não o reconhecem. Isso
demonstra que a presença de Jesus depois da Ressurreição, embora
real, não é igual à sua presença durante a sua vida terrestre.
Quem O reconhece primeiro é o Discípulo Amado - pois só quem vê
com olhos de amor reconhece e vê além das aparências. Como foi o
amor que o levou a correr mais depressa ao túmulo do que Pedro em
Cap. 20, é o amor que faz com que ele seja o primeiro a reconhecer a
presença de Jesus ressuscitado. Ele é o Discípulo Amado e que ama.
Pedro o será somente depois da sua profissão de amor (vv. 15-17).
A pesca
simboliza a missão dos discípulos. Segundo muitos estudiosos
(embora não haja unanimidade), o número de 153 peixes se baseia no
fato de que os zoólogos gregos da antiguidade achavam que existiam
no mundo 153 espécies de peixe. Então, o Evangelho estaria dizendo
que a Igreja (simbolizada pela rede) pode abraçar o universo inteiro
- todos os povos e culturas. É interessante que - diferente da
história contada em Lucas - a rede não se rompe! A diversidade de
culturas, tradições e povos constitui uma riqueza para a Igreja e
não deve levar a rompimento da unidade, sem que se imponha a
uniformidade (a palavra grega que João usa para “romper” é
“schisma”). Certamente essa visão deve desafiar e questionar
tantas tendências de centralização e rigidez que existem na Igreja
hoje!
O
nó da questão está na entrega da missão a Pedro. Ele deve ser o
Bom Pastor das ovelhas e dos cordeiros - dos membros das comunidades.
As ovelhas, porém, não são dele - ele é apenas o Pastor. As
ovelhas pertencem ao Senhor! Aqui Pedro recebe esta grande missão,
que nos Sinóticos ele recebe na estrada de Cesaréia de Felipe. Mas,
mais importante do que a sua função é a sua vocação de discípulo
- aquele que ama e segue o Senhor. Só quem ama Jesus profundamente
poderá pastorear os seus seguidores. Se, no primeiro capítulo do
Evangelho, Pedro veio a Jesus por mediação do seu irmão André (Jo
1, 40-42), agora recebe o convite do próprio Mestre: “Siga-me",
pois no amor Ele fez a opção pelo discipulado.
Todos nós recebemos o
mesmo convite: “Siga-me”. Seja qual for a nossa função e missão
na Igreja, elas só terão sentido na medida em que realmente amamos
Jesus - um amor que só é autêntico se amamos os outros, na luta
comum em favor da construção de um mundo onde todos/as possam “ter
vida e vida em abundância” (Jo 10,10), pois “se Deus nos amou a
tal ponto, também nós devemos amar-nos uns aos outros” (1Jo
4,11).
QUARTO DOMINGO DA PÁSCOA (21.04.13)
Jo 10, 27-30
“O Pai e eu somos um”
O texto de hoje
situa-se no contexto de uma polêmica nos arredores do Templo entre
Jesus a as autoridades judaicas, na ocasião da Festa da Dedicação
do Templo. Nos versículos anteriores, as autoridades desafiaram
Jesus para que se declarasse abertamente o Messias. Ele respondeu que
já tinha mostrado isso muitas vezes, através das suas obras, mas
que eles não queriam acreditar, pois não eram as suas ovelhas.
Assim,
fica claro que as ovelhas são os discípulos, pois o verdadeiro
discípulo ouve a palavra do Senhor e o segue. São conhecidos por
Ele - e aqui cumpre lembrar que na linguagem bíblica, a palavra
“conhecer” tem conotações mais profundas do que no nosso uso
comum. Significa não tanto um saber intelectual, mas uma intimidade
profunda do amor. Assim, a bíblia muitas vezes até usa o verbo
“conhecer” para significar relação sexual. Assim, Maria
questiona o anjo, pois Ela “não conhece” homem (Lc 1, 34). O
verdadeiro discípulo é aquele ou aquela que realmente tem um
relacionamento de intimidade com Deus e que põe em prática a sua
palavra. E quem conhece Jesus, conhece o Pai, pois “o Pai e eu
somos um”, como diz Jesus no nosso texto.
O versículo 28
afirma que Jesus dá a vida eterna aos seus seguidores. Esse é um
tema típico de João e outros textos do Evangelho podem nos ajudar a
aprofundá-lo. No Último Discurso, Jesus explica em que consiste a
vida eterna: “A vida eterna é esta: que eles conhecem a ti, o
único Deus verdadeiro, e aquele que tu enviaste, Jesus Cristo” (Jo
17, 3). Mais uma vez, liga o conceito da vida eterna com O de
“conhecer”. Mas em que consiste “conhecer” a Deus?
O
profeta Jeremias pode nos esclarecer. Em um trecho contundente, onde
ele enfrenta o Rei Joaquim e o condena por não pagar os salários
dos seus operários na construção do seu palácio, Jeremias diz o
seguinte, referindo-se ao falecido rei justo Josias: “Ele julgava
com justiça a causa do pobre e do indigente; e tudo corria bem para
ele! Isso não é conhecer-me? - oráculo de Javé” (Jr 22, 16).
Conhecer Deus não é em primeiro lugar um exercício intelectual,
mas uma atitude de vida - a prática da justiça, especialmente em
favor do oprimido e fraco. Segundo João, então, a vida eterna é o
prêmio de quem pratica a justiça de Deus - proposta dos discípulos
de Jesus - e não dos que “sabem” muita coisa sobre Deus, mas que
não praticam a justiça - representados no texto de hoje pelas
autoridades do Templo.
O
nosso texto nos traz motivo de muita coragem, pois, afirma que
ninguém vai arrancar o verdadeiro discípulo da mão de Jesus (v.
28). Mas, também nos desafia para que verifiquemos se somos
realmente discípulos verdadeiros, se conhecemos Jesus e o Pai, isto
é, se praticamos a justiça do seu projeto. Pois, a prova de ser
verdadeiro discípulo está na prática das obras do Pai, e não no
conhecimento teórico de religião.
QUINTO DOMINGO DA PÁSCOA (28.04.13)
Jo
13, 31-33ª
34-35
“Amem-se uns aos outros”
Este
texto situa-se no contexto do Último Discurso de Jesus, na Ceia
Pascal. Começa logo após a saída de Judas para trair Jesus,
depois que Jesus lhe disse “o que você
pretende fazer, faça-o logo” (Jo 13, 27).
Com a licença oficial dada ao agente de Satanás para iniciar o
processo que iria matá-lo, Jesus começa o processo da sua
glorificação. A sua fidelidade ao projeto do Pai vai levá-lo à
Cruz, que, no Quarto Evangelho, não é um sinal de derrota, mas da
vitória última e permanente de Deus. Por isso, a morte de Jesus,
aparente vitória do mal, será a glorificação de Jesus, e nele, do
Pai.
O
anúncio da sua partida, para os judeus uma ameaça (v33), é para a
comunidade dos seus discípulos um momento de emoção e carinho. A
sua última dádiva a eles é um novo mandamento: “eu
dou a vocês um novo mandamento: amem-se uns aos outros. Assim como
eu amei vocês, vocês devem se amar uns aos outros.”(v
34).
O
que há de novo neste mandamento? O que diferencia a proposta de
amor de Jesus e dos seus seguidores de outras propostas já
conhecidas? O mundo do tempo de Jesus, tanto na sociedade pagã como
judaica, conhecia propostas de amor mútuo. O mandamento de Jesus é
novo em primeiro lugar porque ele se impõe como exigência essencial
para entrar na comunidade “escatalógica”. Essa é a comunidade
que já experimenta a presença do Reino de Deus, mesmo que ainda
espere a sua plena realização, ou seja, uma comunidade que
experimenta a salvação já realizada em Jesus, enquanto ainda
experimenta a sua situação permanente de fraqueza. Também é novo,
porque não se fundamenta nas leis sobre o amor, da tradição
judaica (p. ex. Lv 19, 18, ou os documentos do Qumrã), mas na
entrega de si, de Jesus. O modelo deste amor é o exemplo do próprio
Jesus “assim como eu vos amei!”.
E como ele nos amou? Entregando-se até a morte, para que todos
pudessem “ter a vida e a vida plenamente”
(Jo 10,10). Este amor não é sinônimo de simpatia ou sentimento de
atração. Exige humildade e a disposição para o serviço que leva
a morrer pelos outros. Este “morrer” normalmente não se
expressa através duma morte literal, mas morrendo diariamente ao
egoísmo e à busca do poder dominador, para que sejamos servidores,
especialmente dos mais humildes, ao exemplo do Mestre que “não
veio para ser servido, mas para servir” (cf.
Mc 10,45).
Este amor e tão fundamental para a
comunidade dos discípulos de Jesus que deve ser tornar o seu sinal
característico: “assim todos reconhecerão
que vocês são meus discípulos” (v. 35).
Mais do que uma lista de doutrinas, mais do que práticas litúrgicas
ou rituais, embora essas tenham o seu lugar e a sua importância, é
o amor mútuo e concreto que deve distinguir os discípulos de Jesus.
Atos dos Apóstolos nos lembra que “foi em
Antioquia que os discípulos receberam, pela primeira vez, o nome de
“cristãos”.(At 11,26). Receberam uma
nova designação, da parte dos outros, porque a sua maneira de viver
era marcadamente diferente das outras comunidades religiosas da
cidade – era marcada pelo amor mútuo. O Evangelho de hoje nos
convida para que honestamente nos examinemos a nós mesmos, para
verificar se este amor-serviço ainda é a marca característica de
nós, discípulos/as de Jesus, na nossa vida individual e
comunitária!
Tomaz Hughes SVD
e-mail: thughes@netpar.com.br